segunda-feira, 16 de abril de 2012

Memórias Póstumas de um drogado -Parte 1-


Oi, e meu nome não importa, e eu morri hoje. Morri de overdose às oito horas e quarenta e nove minutos da manhã dessa segunda-feira. Morri sozinho, dentro do meu quarto.Tinha acabado de chegar de mais uma noite alucinógena junto a meus amigos. Cheguei a casa às sete horas e cinqüenta minutos. Tinha passado toda a madrugada e boa parte da manhã em boates me drogando.Ao chegar em casa, fui diretamente ao meu quarto; não olhei nem para os lados. Entrei nele, e o tranquei com cadeado para que ninguém entrasse; queria ficar sozinho! Meu quarto estava frio, e como eu havia fechado as janelas, estava um tanto escuro também. Apesar de ter passado horas e horas perto de amigos, escutando música alta e fazendo o uso de drogas, eu ainda estava angustiado, triste, revoltado e me sentindo desprezado. Passei uns trinta minutos deitado na minha cama e tentando lembrar de tudo que havia acontecido, mas como não lembraria tão cedo, decidi me drogar... De novo. Fui rapidamente até o meu armário, puxei uma das gavetas bruscamente, e logo em seguida, peguei uma seringa, que, por sinal, já estava usada. Procurei nas outras gavetas a metanfetamina, e logo depois a encontrei debaixo do meu travesseiro enrolada a um papel. Peguei um copo com água que estava em uma das prateleiras do meu quarto, e misturei a metanfetamina a ele. Depois de misturá-los, o coloquei na seringa. Meu ser gritava de vontade por aquela droga. Escolhi a veia, e em uma tentativa de tirar todo aquele lixo psicológico que estava em mim, ejetei toda aquela substância tóxica em mim. Fiquei eufórico, demasiadamente alegre e atento. Podia ouvir claramente cada ranger de móveis do meu quarto. Dei algumas risadas sozinho sem saber o porquê de tal. Sentia-me “bem”. Depois de alguns minutos, todo o efeito havia passado, e todos os sentimentos que sentia antes, voltaram mais intensos ainda. Não sentia mais apenas tristeza e angustia, sentia uma depressão profunda.Comecei a chorar desesperadamente. Me sentia completamente sozinho; tudo o que eu queria naquele momento era o abraço de alguém. Eu queria minha mãe ali do meu lado. Eu chorava e chorava, porém ninguém ouvia, logo lembrei que minha mãe havia ido trabalhar, e meu irmão estava na escola. Lembrei das tantas e tantas vezes que fiz minha mãe chorar por causa do meu vício. Lembrei das brigas, dos móveis quebrados e das agressões ocorridas por minha causa. Lembrei claramente do  dia em que meu irmão ficou abraçado com minha mãe no canto do quarto com medo de mim. Podia escutar claramente naquele momento os xingamentos que os vizinhos faziam contra mim quando eu saia na rua. Comecei a lembrar dos boatos a meu respeito, tais como: “Aquele drogado mais uma vez foi expulso de sua casa.”, ou “A polícia mais uma vez foi chamada na casa daquele viciado”. Sempre que escutava os boatos, tentava não ligar, mas naquele momento aquilo estava me corroendo tanto por dentro! Senti-me o verdadeiro lixo naquele momento. “Drogado! Viciado! Você não presta! Se você morrer, vai fazer um favor à sua família e a seus vizinhos!” Uma voz sussurrava tudo isso a meus ouvidos. Chorava lágrimas de sangue enquanto pensava em tudo isso. Onde estavam meus “amigos” naquele momento?  Puxei meus cabelos, e rasgue iminhas roupas de tanto desespero. Gritava de tristeza. Lembrei que o meu vizinho ia a igreja e sempre andava com a bíblia de baixo do braço. De vez em quando escutava uma música evangélica saindo da casa dele. Como ele era evangélico, pensei que talvez ele pudesse me ajudar. Talvez o Jesus que ele acreditava pudesse fazer algo por mim. Pensei em ir até a casa dele perguntar o que a bíblia que ele lia, falava sobre mim. Iria perguntar se havia jeito pra mim, e se o tal Jesus pudesse mudar minha situação. Entretanto decidi não ir, afinal de contas, ele nunca havia falado comigo. Achei estranho porque mesmo ele sabendo de tudo que estava acontecendo comigo e minha família, nunca veio falar de Jesus pra mim. Será que até ele tinha medo de mim? Como aquele momento estava tão desesperador, não deu tempo de raciocinar muito, e questionar-me por que ele nunca havia falado de Jesus pra mim, com isso, logo conclui que eu não era dígno de saber quem era Jesus, afinal, se eu fosse, o meu vizinho teria falado dele pra mim. Comecei a olhar para as paredes do meu quarto.Quem diria que meras quatro paredes feitas de tijolos e cimento seriam testemunhas de uma das vidas mais lamentáveis que já havia vindo a esse mundo, e essas mesmas paredes, estavam prestes a registrar o fim de tal vida; o que seria um descanso para elas. “Chega! Esse tormento acabará hoje!” Pensei eu naquele momento. Foi então que peguei todo o armazenamento de drogas que eu tinha guardado no meu armário. Juntei todas, desde as líquidas, passando pelos comprimidos e ervas até chegar às pedras. Fui até o armário de remédios da minha casa, procurei o remédio tarja preta que minha mãe usava justamente por minha causa, e o coloquei junto as demais drogas. Tirei cada comprimido de sua embalagem, peguei um copo d’água e os tomei. Todos. Senti minha garganta sendo machucada de tantos comprimidos que havia consumido. Não perdi tempo, e logo depois peguei todas as drogas ejetáveis, as misturei e apliquei tudo em minha veia. Estava tão desesperado naquele momento, que na primeira tentativa, acabei estorando uma de minhas veias. “Está feito!” pensei. Não incomodaria mais a vida de ninguém. Minha mãe e meu irmão, que eu tanto amava mas não pude demonstrar meu amor por eles, poderiam viver em paz agora e meus vizinhos não ficariam mais preocupados pelo fato de ter um drogado na vizinhança Tudo ficaria melhor com a minha morte. Naquele momento, lembrei dos momentos em que era feliz. Lembrei das vezes em que eu era criança e minha mãe levava eu e meu irmão no parquinho. Nós brincávamos, corríamos, tirávamos fotos e tudo mais. Sabe, minha mãe levava eu e meu irmão pra tomar sorvete,... Era da hora, sabe? Às vezes eu fazia uma birra por minha mãe dá mais atenção a meu irmão por ele ser mais novo, mas era só pra chamar a atenção. Minha mãe me levava na escolinha, e eu falava pro meu irmão ”Um dia você vai ta aqui comigo, e a gente vai estudar junto irmão!” Quando eu lembrei disso, uma lágrima caiu do meu rosto.Eu os amava tanto, mas não podia dizer mais isso pra eles. Lágrimas saíram do meu rosto de amor a minha família. Como eu queria estar aí no seu lugar agora. Ter o privilégio de abraçar meu pai, minha mãe e meus irmãos e falar que o amo. Cara, dá mais valor a tua família! Dá mais atenção pra sua mãe, tenta ser mais amigo do seu irmão! Será que você continuará dizendo que odeia seu irmão na cara dele, que não suporta olhar pra cara do seu pai porque ele é “chato” com você? Mas voltando à minha história... Já era tarde pra mim, aquelas substâncias naquele momento estava correndo por minhas veias e destruindo tudo o que tinha pela frente. Não demorou muito para a primeira espuma sair de minha boca. Logo veio mais e mais... Minha respiração começou a ficar cada vez mais e mais ofegante. Minha visão começou a escurecer e eu comecei a perder os sentidos; larguei a seringa de minha mão. Um frio sobrenatural começou a circular por aquele quarto. Não era um frio normal, afinal ele não só esfriava o quarto, mas também esfriava minha alma. Sombras me abraçaram, e depois disso eu não lembro de mais nada. Não havia me dado conta, mas acabara de morrer... Eu morri, morri sem conhecer a Cristo. Eu sou mais uma alma. Mais uma vida tragada. Mais um jovem perdido. Mais um no Inferno. 


                                                                 Ellysson Rocha 



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