"Olá Pai, serei direto e
coeso: Estou cansado de viver essa vida, onde tudo tem um limite e estou sempre
tendo que cumprir ordens; onde quase nunca faço o que eu quero, e quando faço o
que quero, sinto algo me incomodando internamente. Estou cansado de ser o
"politicamente correto" e "alienado" do meu grupo de
amigos. Quero beber, fumar, chegar tarde em casa, transar antes do casamento,
falar do jeito que eu quiser, sem ter que dar nenhuma satisfação. Eu quero
viver! Pra quê tantas regras e pra quê tantas obrigações, oras? Chega de tantos
dogmas primitivos sem nexo algum, e chega também de infinitas perguntas sem
resposta alguma. Na minha visão, é insanidade eu continuar seguindo uma espécie
de paradigma de como devo falar, agir, e até mesmo, pensar. Isso é um absurdo!
Não é nada pessoal, sério. Apesar de tais regras as quais estou cansado, o
senhor sempre me tratou bem. Nossa relação nos últimos meses não tem sido uma
das melhores, e o senhor sabe disso. Quase nunca conversamos, e quando
conversamos, é para eu lhe pedir dinheiro, ou reclamar que está faltando algo
dentro de casa; e como também ultimamente estou o decepcionando muito,
creio que a única solução é eu me afastar do senhor e fazer a minha própria
vida. Irei visitá-lo duas ou três vezes ao mês. Agora, irei ganhar o mundo.
Tenho alguns trocados, algumas roupas e o meu talento, creio que isso já é o
suficiente.Sei que será difícil para o senhor, mas saiba também, que não será
fácil para mim. Não tente vir atrás de mim
Ass.: Rafael"
Esse foi o bilhete deixado por Rafael na cabeceira de seu pai. Ao lê-lo, o
seu pai, Emanuel, sentiu uma profunda tristeza e chorou amargamente sozinho
dentro seu quarto. Emanuel não entendeu o porquê de tal atitude, afinal de
contas, ele foi o melhor para seu filho durante todo o tempo em que estivera
junto com ele. O apoiou, o consolou, o fez rir, o corrigiu, o ajudou; enfim,
foi um verdadeiro pai. Tais “dogmas” citados por Rafael, nada mais são do
que regras que Emanuel impôs para o bem de seu próprio filho. Rafael é
jovem e inexperiente, e não entende qual o melhor para ele; entretanto, seu pai
é sábio e experiente, e sabe perfeitamente qual o melhor para seu filho.
Rafael não foi muito longe. Ele foi morar em uma cidade vizinha, junto a um
grupo de amigos mais velhos.
Seu pai sabia exatamente onde ele estava, porém fez o que Rafael pediu, não
foi atrás dele.
Uma semana, duas semanas, três semanas. A cada dia longe de seu filho,
Emanuel sentia-se cada vez mais triste, enquanto Rafael vivia de modo insano
sua vida. As tais visitas que Rafael jurou fazer, eram mentiras; até agora, ele
nem sequer ligou para seu pai. não muito tempo depois, Emanuel recebe um e-mail
com a seguinte mensagem:
"Oi Pai, sou eu, seu filho.
Eu estava enganado, a minha vida não seria melhor sem o senhor, pelo contrário,
sem o senhor, ela não faz o menor sentido. Eu fui enganado pelo meu próprio
coração, e abatido pelos meus próprios meios. O que antes parecia ser perfeito,
hoje vejo que é ilusão. Agora vejo o quanto o mundo é enganador e cruel, e que
o senhor só creia me proteger dele. De primeira, o mundo me acolheu e me
mostrou o que parecia ser o Mundo das Maravilhas; meus olhos se encheram, e eu
mergulhei de cabeça nesse mundo. Porém, logo depois eu fui saber a verdadeira face
do mundo em que eu estava: uma face enganadora, cruel e injusta. Agora, estou
morando em um abrigo, porque meus "amigos" me abandonaram logo que
perceberam que meu dinheiro havia acabado. Estou enviando essa mensagem pelo
computador de um funcionário. Gostaria infinitamente de voltar a morar com o
senhor e estar sempre em sua presença. Sei que não mereço, mas gostaria. Irei
passar em frente a sua casa amanhã às 12:00, e caso queira me aceitar, dê uma
pequena pincelada azul na borda calçada. Use a tinta que sobrou da antiga
reforma da casa -Pode deixar a chave da casa na caixa do correio, se o senhor
preferir-. Caso não pinte, entenderei perfeitamente e irei embora pra
sempre."
Chegado o dia e o horário marcado, lá estava Rafael, indo à direção a sua antiga
casa. Seu coração estava na boca e batia rápido como nunca antes; o seu futuro
estava prestes a ser decidido. Ao virar a esquina de sua antiga rua e avistar a
sua casa, Rafael não encontrou nenhuma pincelada azul na borda da calçada e
tampouco a chave no correio
. Ele encontrou a fachada, o portão e a
calçada de sua casa completamente pintados de azul, fitas e mais fitas azuis
cobriam a árvore que ali ficava; e lá estava seu pai, de braços abertos e com
um sorriso enorme no portão de sua casa.
-Desculpa pai... Eu, eu... Eu nem sei o que te falar! -Diz Rafael com
lágrimas em seu rosto-
-Não lhe culpo em achar que fico em silêncio. Não lhe impeço de aproveitar a
sua vida como você bem queira e tão pouco quero você como um escravo das minhas
vontades. O que desejo pra você, meu filho, é apenas o melhor. Sei que você
pensa que fico em silêncio muitas vezes, mas na verdade eu sempre tento me
relacionar com você, porém você gosta de ouvir mais o que lhe agrada e sempre
está ocupado e não tem tempo pra mim. Filho eu jamais te deixarei e nunca te
desampararei. É impossível te esquecer; você é a razão do meu amor! -Emanuel
também com o rosto repleto de lágrimas-
E lá ficam os dois durante um bom tempo: abraçados fortemente,
compartilhando uns aos outros. A solidão que Rafael havia sentindo, agora é
substituída pelo caloroso e amável abraço de seu pai, Emanuel.
E com você, como está seu relacionamento
com o seu Pai Emanuel?
Ellysson Rocha